sexta-feira, 17 de abril de 2009

Onde cantam os grilos

Imaginava que pessoas mais jovens (nascidas e criadas em São Paulo), em geral, jamais optariam por “deixar” toda a movimentação cultural e social da cidade, por uma vida pacata no interior. Cheguei a discutir isso com amigos que me alertaram do contrário, é cada vez mais comum o êxodo urbano, e não apenas por aposentados em busca de tranqüilidade. A metrópole está saturando as pessoas.

Boa parte desse desconforto em relação à vida na cidade grande, vem de problemas tipicamente urbanos como trânsito intenso, as grandes distâncias entre trabalho-casa, a poluição do ar e sonora, e o alto custo de vida, que vai contra a pouca qualidade oferecida.

Mas mesmo com os argumentos apresentados, ainda mantive minha idéia de que os problemas não superam a quantidade de ‘escapes’ que a cidade possui. Cinemas (cada vez mais salas, inclusive IMAX!), teatros (dos comerciais aos mais undergrounds), parques, shows (exclusivos, gratuitos, e em quantidades cada vez maiores), baladas (para todas as tribos), eventos culturais (Virada, Mostra, Parada), restaurantes, etc.

Mas como considero que pensamentos imutáveis são uma forma grave de ignorância, resolvi tentar entender o que passa na cabeça de quem optou por essa “troca de ares” e nessa busca encontrei Carol Paz e Alexandre Nix.

Novos Caminhos

Nix tem 31 anos, é formado em Publicidade, trabalha como Redator, Gerente de projetos web e Consultor de marketing e mídias sociais. Carol, sua esposa, tem 33 anos, é formada em Sociologia e Engenharia, e atua como Empresária e Artista Plástica.

Ambos deixaram a vida agitada do centro de São Paulo, pela qualidade e simplicidade da vida em Campos do Jordão (183 km da capital). Mas eles não consideram a mudança algo “radical”, como muitos podem pensar. “Amo São Paulo, mas não via sentido em viver num apartamento pequeno. O que me incomodava e me incomoda muito é o trânsito e o barulho. Também não é nada legal a poluição e a ameaça de insegurança”, conta Carol.

E o objetivo dos dois é ir ainda mais longe. Nix conta que eles querem comprar um sítio, com bom acesso à cidade, mas seguramente afastado. “Desde criança conheci várias pessoas que haviam deixado a vida na cidade grande e viviam no campo, muito felizes. A idéia sempre me pareceu ótima, mas seria impossível para mim, começar do zero e abandonar de um dia para o outro toda minha experiência de trabalho em uma área que só existe na urbe. Quando soube que finalmente havia internet à rádio na Serra da Mantiqueira, decidi que agora seria possível. Namorei a idéia e comecei a pensar que primeiro precisava trabalhar de casa. Aí, fiz a proposta para a Carol, que aceitou de imediato. Acho que nem teria feito a proposta se ela não fosse ela. Se fosse outra pessoa provavelmente eu responderia essa entrevista sozinho hoje”.

Outro ponto relevante numa decisão como essa é a questão financeira. De onde tirar o sustento nesse novo ambiente, já que provavelmente não haverá tantas oportunidades no interior quanto na capital? E aí está outro grande diferencial do casal. Eles trabalham em sistema Home Office (trabalho em casa, e, nesse caso, prioritariamente pela internet).

“Há equívocos em achar que é preciso estar preso a um contexto, a um território, em tempos de internet e, cada vez mais efetiva, possibilidade de trabalho remoto. Acho que muita gente é acomodada e tem medo da mudança. Se não precisa bater ponto não há porque viver em uma condição incômoda”, sentencia Carol.


“Há quem pense que nos isolamos do mundo.
Isso é uma tremenda bobagem”

Provando que Sartre estava certo e o inferno realmente são os outros, Nix conta que mesmo com bases sólidas e mudança apenas de ambiente (não em qualidade do seu trabalho), os empregadores ainda mantêm desconfianças. “Em teoria não muda nada, mas na prática ainda é preciso convencê-los disso. Por isso Campos do Jordão pareceu uma boa idéia para um período de adaptação, até nos mudarmos definitivamente para um sítio. Estamos a menos de três horas da cidade de São Paulo e, por lá, tem gente que perde esse tempo no trânsito voltando para casa”.

Embora a mudança tenha sido planejada e bem estruturada antes de ser concretizada, o processo em si não foi dos mais fáceis. “A primeira semana foi um inferno! 98% por causa da falta de internet (nosso meio de vida - nossos trabalhos dependem do acesso 24/7). Os demais 2% foram os impactos de ter tudo encaixotado, bagunça e sujeira da casa, etc. Na semana seguinte já começamos a viver bem e, digo por mim, felizes”, deleita-se Carol.
Para Nix, o atraso brasileiro na resolução de problemas é outro fator complicador. “Ao contrário do norte-americano, o brasileiro não tem a mesma cultura de se mudar de cidades (não com a mesma freqüência média) e muitos dos serviços não levam em consideração quem acabou de mudar. Impossível, por exemplo, ter um celular local porque as operadoras de telefonia exigem, como comprovante de residência, uma cópia de uma conta qualquer no meu nome. Como fazer isso, se acabamos de chegar? E os serviços que exigem um telefone fixo? Tem coisa mais 1997?”.


Vida Nova

Ateliê/escritório de Carol

Pra quem se empolgou com essa história e sentiu aquela vontade de “largar tudo!”, ou ao menos “viajar mais”, finalizo com relatos dos dois sobre sua atual rotina e dicas para quem quiser se arriscar:

Carol - Minha rotina é acordar, tomar café, ir ao ateliê e trabalhar. Final do dia, fecho o ateliê e relaxo em casa. Isso, TODO O DIA! Aí vem uma dica importante para quem pensa em trabalhar home office: é preciso disciplina! Essa rotina para mim é deliciosa. Eu gosto do que faço, do meu dia-a-dia e do espaço de trabalho que tenho hoje. Estando conectada, está tudo lindo!

Nix - Acordar, verificar se meu computador ainda está ligado, tomar café, lavar a louça, ver e-mails, ligar para o fulano que vai trabalhar na cerca, ligar para o encanador, ligar para a serralheria, incomodar até três pessoas no MSN até a hora do almoço. De tarde não tenho rotina. Como meus trabalhos variam, varia meu tempo na frente do micro. Geralmente fico direto na frente do computador, mas volta e meia saio para consertar algo na casa, pregar um hack na parede, expulsar vespas do telhado, maritacas do forro... O importante é não ficar parado.


Para quem quer conhecer ainda mais os dois, Carol e Nix mantêm um blog chamado, adequadamente, Êxodo Urbano, lá eles contaram um pouco do processo para a mudança.

6 comentários:

  1. Oi Tico tudo bem?
    Gostei muito da entrevista do assunto abordado,
    excelente... e e caiu como uma luva para mim,
    abraços e continue sempre assim, com estas matérias diferenciadas.
    Zé Alves

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  2. O computador é sinônimo de vida moderna, vida urbana. Nesse caso acho um pouco ilógico o êxodo urbano se a ponte entre os dois meios de vida ainda seja a internet. Passar o dia todo em frente ao computador em uma fazenda não te faz se desligar de um mundo atribulado como a metrópole; na verdade cria-se aqui um outro tipo de relação entre os indivíduos, uma relação menos física e mais abstrata. Afinal, eu não sei o que é pior, falar com um indivíduo sob uma profusão de elementos ruidosos de um grande centro urbano ou projetar um “eu” formatado pelos moldes de sites de relacionamento ou comunicadores instantâneos. Isso tudo me parece insustentável.

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  3. Sábia a decisão do casal que optou pelo ‘canto dos grilos’. As grandes cidades já não são mais centros de convivência humana, pelo contrário. Virou um emaranhado de carros, concreto, estresse, de almas perdidas, trancadas em si mesmas, amedrontadas e escondidas em seus fones de ouvido se perguntando quem são.
    De nada serve toda a oferta cultural de São Paulo se para ‘vivê-la’ é necessário enfrentar um exército de adversidades como transito, barulho, violência, arrogância, descaso público, aproveitadores, filas, etc.
    Como bem comentou Fábio Baldo, no ‘distante campo’ as relações se tornam ‘virtuais’ e se dão apenas pela internet. Mas na cidade a comunicação não se dá da mesma forma? Ou pior? Além de virtual é fria, em tom oficial de escritório. Pelo que percebo andando por aí, o único gesto caloroso (infelizmente irado) que se vê entre as ‘pessoas da cidade grande’ são os palavrões proferidos no transito ou o já tão desgastado grito de arrogância da classe média: “Você sabe com quem está falando” ou “Eu pago, logo existo”. Mesmo em festas o que se ouve é “vou beber muito até cair para esquecer do mundo”. Por que não: “Vou me divertir muito e me relacionado com o mundo”.
    Penso que fugir para o campo seja, por enquanto, uma boa pedida para quem ainda deseja encontrar em si resquícios de humanidade. Lá na fazenda onde tudo é verde e grilo canta após um dia estressante de trabalho pode-se desligar o computador e contemplar abstratamente o infinito, às margens do ribeirão ao som dos pássaros. Estes ao menos cantam mais afinados que as buzinas ensandecidas.

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  4. Grande Tico, curti muito o blog! Tudo super de bom gosto e bem escrito, exceto algumas vírgulas (mania de editor, tradutor e revisor velho de guerra -- risos); brincadeira, meu querido!
    Olha, engraçado que ontem mesmo eu estava conversando com minha irmã (que ainda mora em Londres, ao contrário de mim, que teimei em voltar para essa barbárie deliciosa chamada Brasil -- risos) sobre a vantagem de ter uma profissão "free-lancer", que permita à pessoa trabalhar sem ter o tédio de ver todo dia, o dia todo, as mesmas paredes e pessoas, evitando também o trânsito terrível e a superhipermegagigalotação do transporte coletivo... Ela (minha irmã) é "feliz" assim, sem ter rotina e trabalhando em casa... Eu discordo, acho essencial criar vínculos, especialmente afetivos, com as pessoas e até objetos com que trabalhamos, acho fundamental haver envolvimento com o nosso ganha-pão, afinal passamos a maior parte do tempo dedicados a ele. Mas claro que as dificuldades são enormes no Brasil, e especialmente em Sampa... O problema é que, ao optarmos por mudar de lugar para "fugir" dos problemas do cotidiano de uma gigalópole, podemos enfrentar outros problemas, como inadaptação etc. Afinal, se (como eu sou, assumidamente -- risos) nos viciamos neuroticamente na loucura de Sampa, e aproveitamos o q ela oferece de bom: Mostra de Cinema entre as melhores do Planeta, Baladas AS MELHORES DO PLANETA (ninguém tem o nosso ânimo de improvisar alegria até nas baladas mais precárias, como um boteco na Augusta -- risos), ótimos restaurantes, teatros, parques, shows, enfim, pra quem é ligado em cultura e lazer, Sampa ainda é uma referência, até porque quem não curte tudo isso pode morar em bairros tranquilos que parecem vilas de cidade do interior -- eu sei disso porque fui criado em uma -- risos.
    Enfim, desculpem se falei demais, ou besteira demais, mas não podia deixar de alguma forma prestigiar o site desse cara incrível, sensível, inteligente e talentoso que é o Tico. Abraços em todos!

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  5. Oi, gente! Só pra completar minha observação sobre Londres que eu fiz no comentário anterior: lá existe uma realidade que provavelmente chegará a Sampa em breve, dentro de poucos anos (de uma certa forma, já está acontecendo, pena que nossa infraestrutura de trânsito não ajude em nada, ao contrário da excelência do transporte público britânico): Grande parte das pessoas apenas TRABALHAM na Londres mais central e urbanizada, depois voltam para suas pequenas cidades ou subúrbios (que por lá têm um significado mais interessante do que o daqui -- risos). São os "commuters", que trabalham e/ou estudam na agitação londrina e voltam tranquilamente no fim da tarde ou à noite para suas casas em "towns" ou "villages" dos arredores ou até do interior da Inglaterra. Essa seria uma ótima alternativa para os paulistanos saturados com os problemas de Sampa, e que não curtem mais morar aqui... Quem sabe um dia nossa logística de transporte permitirá isso? Sonhar é bom, né? -- risos; mas ainda concordo com aquela velha e bela música "viver é melhor que sonhar" -- risos. Abração!

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  6. Obrigado à todos pelos comentários. E Max, por favor, pode fazer as observações sobre os erros ortográficos... Já pensei até em pedir uma mão sua com a revisão dos textos antes de publicar mas não queria incomodar ou não teria como pagar seu serviço. Muito obrigado.

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