quarta-feira, 13 de maio de 2009

Aulas no Boteco

A história nos mostra como o ser humano é complexo, confuso e insatisfeito. Qualidades que não fogem do comportamento natural, mas que impedem passos evolutivos maiores e que traga, consequentemente, maior qualidade de vida. Acredito que não evoluímos o suficiente − se é que evoluiremos nessa direção − para alcançar um estado elevado que nos permita sorrir e dizer, com convicção e verdade absoluta, que tudo na nossa vida está bem.

Resta então buscar uma forma de vida mais adequada a cada um. Uns estacam, receosos das pedras inevitáveis do caminho, e optam pelo conforto de não fazer nada. Outros produzem, criam, sonham e sofrem. Fato.

Fábio Jesus, estudante de História na USP, se propôs ao verbo. Seu primeiro emprego, aos 18 anos, foi em uma livraria sebo, “tinha um senhor muito velhinho que me escravizava. A minha paixão por leitura com certeza não veio dali. Depois fui trabalhar em uma padaria, gostei muito, algumas das minhas primeiras experiências interessantes aconteceram nessa época. Logo em seguida trabalhei como office-boy em um escritório imobiliário, um lixo de emprego. Odiei tudo ali! Depois conheci o senhor Antônio, um ser humano, sem dúvida, iluminado! Ensinou-me mais que uma profissão. Ensinou-me que na vida a gente precisa, acima de tudo, de generosidade! Eu atuei com ele, no ramo de eletricidade, por cerca de 15 anos! Sou quase técnico eletricista; digo quase porque fui expulso do colégio em que comecei a estudar isso”.

Depois das primeiras experiências, que ele define como imprescindíveis à sua formação pessoal, Jesus atua agora na área financeira. “Isso me dá certa estabilidade pra construir a minha carreira acadêmica nos moldes que eu planejei. Bom, mas essa situação não vai durar muito tempo, porque me incomoda muito o trabalho que faço, onde tudo gira em termos de competitividade e desempenho formidável; onde não há espaço para a humanidade”.

Mas Jesus tem tempo. Hoje, com 18 anos, atua como Educador em humanidades. “Estou tentando ser professor. Pois é, riam se quiserem. Acho até justo que riam mesmo. Porque parece piada. Penso que professor é um termo por demais desgastado. Não que seja errado, muito menos que seja inadequado ou que não possa ser usado. Acontece que essa palavra - professor - não transmite a impressão que tenho sobre esse ofício. Recentemente tive contato com pessoas que pensam a educação e, ao mesmo tempo, tive contato com o termo educador. A minha afinidade com as idéias desses caras foi tamanha que a identificação com o termo foi imediata”.

Educar, algo tão difícil num país como o nosso, em que as desigualdades parecem incomodar mais nos gráficos que no dia-a-dia, é a árdua e saborosa escolha de Jesus. Para ir se acostumando ao novo ofício, ele ministra aulas preparatórias para o vestibular em uma comunidade carente da zona sul de São Paulo.

Em sua primeira turma, ele começa a vivenciar as relações estudante-educador. “Educação aqui tem um sentido não muito usual. Algo como troca, ou seja, você ensina aprendendo e vice-versa. Ao mesmo tempo em que tentamos dividir o conhecimento, em princípio, acadêmico, recebemos a experiência de vida dos estudantes como forma de pagamento. Porém, a pouca experiência que tenho no assunto tem me mostrado algo um tanto diferente disso. Sinto que aprendo muito mais do que ensino; é gritante a diferença e injusto dizer que os "mestres" são generosos. O que sinto - e talvez o fato de estar a pouquíssimo tempo nisso influa nesse meu pensamento - é que pensar o processo de ensino me faz ver mais e melhor quem eu sou e o que eu penso do mundo e das coisas”.

Experiência. Não no sentido de adquirir vivência em determinada situação ao longo do tempo, mas buscar em novas situações, a formulação da base que sustentará e agregará uma bagagem sólida à sua formação. Essa me parece ser a busca constante de Fábio. A busca de um maduro adolescente, de eternos 18 anos. “Tenho 18 anos, sempre tive 18 anos e sempre terei 18 anos, e não tentem me desmentir!”

Iniciar

“Ser educador justifica a minha existência”. A expressão, inspirada em Van Gogh, define bem a intensidade com que Fábio Jesus leva sua vida. “Não concebo a minha vida sem esse grau de paixão e envolvimento com o que faço! Acho que isso é ser professor. O que não torna o intento à profissão menos risível, apenas explica a minha escolha! Clarice Lispector costumava dizer que ela só existia quando estava escrevendo. Acho que tenho um pouco disso. Tem dias que estou tão triste e deprimido, tão decepcionado com o mundo e comigo mesmo que nada faz sentido ou tem importância. Quando estou preparando a aula ou estou no tablado, nenhum desses pensamentos me vem a mente; pra mim lá tudo faz sentido! Não digo que seja o meu único projeto de vida, mas sem dúvida é um dos mais importantes”.

A afinidade de Jesus com a área de humanas é clara pra ele há muito tempo, “o ser humano é o que mais me motiva - embora seja também repugnante por vezes, o que parece contraditório, mas não é! -; e se eu não puder trabalhar com pessoas, se eu não puder fazer do meu ofício o meu sustento, tudo em que acredito é pura retórica, e nada faria sentido! Portanto estou me equipando das ferramentas necessárias ao bom desempenho do meu oficio. Estou em fase de transição.”


Nesse movimento constante de iniciar, Jesus pensa nos momentos mais íntimos e pessoais como ideais para aprender. “Costumo dizer que as melhores aulas que tive foram no boteco. Não digo isso pra falar que gosto de cerveja que, aliás, é indispensável também, mas pra ressaltar a leveza e a soltura com que os assuntos vão sendo abordados. Nem digo que escolhemos os assuntos tratados no boteco, mas eles simplesmente acontecem. Isso nos inspira tanto a ouvir o que os outros têm a nos dizer assim como instiga muito a contar a nossa própria história e experiência de vida. Ensina-se e aprende-se tanto em um boteco que eu arriscaria dizer que a sala de aula deveria ser um grande boteco!”.

3 comentários:

  1. Muito legal! Adorei o início com as reflexões inspiradíssimas do Tico, principalmente a comparação entre os que se acomodam (a grande maioria) e os que ousam, realizam, sem medo de sofrer (estes são os indispensáveis, como diria Brecht, e os que fazem a humanidade ser um pouco menos pior). Também é uma alegria pra mim, que tenho uma história de vida mais ou menos parecida com a do futuro EDUCADOR do texto, saber que ainda há gente superjovem com ideais que não sejam apenas consumir, usar a roupa e o cabelo da moda e ser apenas mais um escravo acrítico do sistema. Não é nem um pouco fácil nadar contra a maré, nem mais historicamente necessário um radicalismo exacerbado, mas gente que sabe lutar com as armas mais nobres, caso do Fábio Jesus, é que ainda podem salvar o nosso país e o mundo da barbárie total, do domínio absoluto do dinheiro e da violência. É isso aí, parabéns!

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  2. Tem uma novidade lá no nosso blog, a TV PIXEL. Passem lá para conferir e dar umas boas gargalhadas da minha cara! =P

    Um beijo,

    Fê Geppert

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  3. Eu tenho/tive a oportunidade de trabalhar em sala de aula, e concordo com Jesus no sentido de que a sala de aula deveria ser um boteco. Assim, pelo menos trataríamos apenas de temas que são relevantes para as pessoas por algum motivo e prescindiríamos daquele modelo tradicional quadradão de professor-receptáculo-do-conhecimento e aluno-fica-quieto-e-escuta. Acho importante essa quebra de paradigmas.

    Uma coisa me confundiu: Fábio trabalhou 15 anos como eletricista e tem 18 anos? Imagino que o fato de ele ter 18 anos seja alguma brincadeira dele (isso fica claro mais ao final do texto), mas para mim pareceu qse inverossímil qdo li a idade dele pela primeira vez. Talvez tivesse sido mais interessante falar desde o início que ele resolveu que tem e sempre terá 18 anos.

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