segunda-feira, 30 de março de 2009

Distâncias


Quando criança, travado por sua timidez, só conseguia soltar-se em momentos solitários, cantava. Mesmo sozinho, algo lhe prendia a garganta e ao cantar, chorava.
Pensava que o que acontecia na TV não era real. Imaginava que artistas e celebridades não existissem de verdade, e, se existissem, nunca se aproximaria deles. “Algumas distâncias são intransponíveis”, acreditava. Tudo mudou.

Hoje, após ter visto ao menos duas dezenas de artistas face to face, já não acredita nas mesmas coisas. Mas ainda se surpreende ao perceber que é capaz de produzir arte e de assemelhar-se à seus mitos e ídolos (entenda-se arte, como ofício, ocupação, carreira).

Sayd Ocit é Cantor, mas já foi Office Boy e Publicitário, sua área de formação. Ele encontrou na forte religiosidade de sua família, essencialmente árabe, e na tesura a que sempre fora submetido, grandes bloqueios ao seu “momento de expansão”, como define.

“Considero fundamental essa barreira familiar aos meus planos de seguir uma carreira artística. Muitas vezes é na proibição que encontramos a força e a impulsão necessárias para ir atrás de nossos objetivos”, explica o músico de 35 anos (que no fim do ano completa 15 anos de profissão).

Depois de trabalhar por mais de três anos (dos 18 aos 21) para seu pai como office boy, Sayd resolveu ir atrás de seu grande sonho e se tornou... Past Up (espécie de montador, profissão já extinta)!?. “Foi um passo muito importante, pois trabalhar com meu pai me dava a estabilidade que eu não queria, porque ainda era uma relação de dependência, de obediência. Eu queria me afirmar como pessoa, ter méritos nas minhas conquistas”, explica. Estudar canto e conhecer as “possibilidades do mundo musical”, foram as primeiras conseqüências dessa nova vida, quando arriscou-se a descobrir do que era capaz.

E descobriu que podia ultrapassar sua emoção e mexer com a dos outros. “A primeira vez que me apresentei em público, senti como se não fosse real. Parecia que não estava acontecendo, eu mal podia enxergar os rostos na platéia”, relembra. Mas então, passado o êxtase inicial do revelar de um sonho, Sayd pode enxergar na platéia rostos bastante conhecidos. Seus pais assistiam (na terceira fila) sua estréia como cantor. “Estranhamente, vê-los ali me trouxe uma tranqüilidade incrível. Consegui brincar com o público, desafinei muito pouco e me diverti bastante, o que é muito difícil para um primeiro show”.

Ao final da apresentação recebeu um grande abraço (forte como nunca) do pai e graves elogios de sua mãe (normalmente mais contida). Depois, observando o cartaz do show, feito por ele, na porta da casa de espetáculos, pode confirmar ainda mais suas idéias, “não havia nada a mudar no meu caminho, foi ele que me transformou no que eu sou hoje”, completa. Carregando os equipamentos de som depois do show, sorriu satisfeito, nada mais o incomodava.

10 comentários:

  1. Rumo à transvaloração Nietzscheana!
    E dentro de pouco tempo um ser apático às estruturas de sentido e significâncias.
    Ah, esse tal desconforto pós-moderno!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Eu preciso de mais um curso universitário para entender toda a profundidade dos seus comentários, Fábio. rs. Obrigado por me mostrar o quão ignorante ainda sou, acomodar-se seria perder o ritmo da vida e ficar pra trás.

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  4. Olha só, gostei muito do texto, e também do blog, interessante como praticamente todo mundo, repito TODO MUNDO, passa por crises e dúvidas sobre a profissão, carreira, a vida, o universo e tudo mais.

    Gostei muito do último post. Esse Tico escreve bem hein

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  5. Eu gostei de como você construiu o texto. O assunto ficou mais interessante assim e, para mim, saiu bem do óbvio.
    Eu curti!
    E sobre o comentário do Fábio... bom, acho que vamos ter de pedir à Maria Tiburi para traduzir. :)

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  6. É isso aí, Tico! Eu não acho que trabalhar com a arte seja menos honesto que qualquer outra profissão. Pouca gente tem a sensibilidade de saber lidar com sua própria emoção e comover as outras pessoas. :o)

    Logo, Logo, vou postar o meu textinho...

    Bjos.

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  7. Para Ju. Obrigado pelo comentário. Com certeza minha maior motivação em pensar esse blog foi essa percepção do constante incomodo das pessoas. Você já viu um grupo de pessoas no metrô falando bem sobre seus serviços?.. eu nunca!rs

    Para Filipe. Obrigado pelos comentários. É bem verdade... preciso do contato da Tiburi, ai aproveito e tento entrevistá-la. Esclareceria muitas coisas, ou confundiria mais.

    Para Dani. Certamente a sensibilidade aflorada é fator fundamental para lidar com arte, talvez por isso os insensíveis desprezem-na.

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  8. Ser ou não ser? essa é a dúvida que pertuba todos os artistas que por natureza já são 'pertubados'. O mundo anda muito feio, sujo, repleto de pessoas rabujentas reclamando sobre tudo aquilo que não tiveram coragem de ser. Quando nos deparamos com seres iluminados (artistas) capazes de ignorar a bestialidade do mercado de trabalho e corre em busca de seus sonhos artisticos devemos, no minimo, aplaudir esse guerreiro.
    Precisamos de mais espaços dedicados as artes e menos escritórios.

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  9. Tico, te amoooooooo. Vc é ótimo em tudo. Eu infelizmente ainda não me senti frustada em um emprego mas espero que isso ainda aconteça rs! Adoro ler você! Parabéns pelo blog.

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  10. Tico, boa história. Fiquei curioso de ver a cara do personagem. Não seria possível uma foto dele?

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